Apesar de décadas de avanços em campanhas contra o tabagismo, o uso de cigarros eletrônicos entre adolescentes pode estar revertendo essa tendência. Um estudo inédito liderado pela Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, concluiu que jovens que usam vapes têm 30 vezes mais chances de iniciar o consumo regular de cigarros comuns do que aqueles que nunca experimentaram o dispositivo.
Publicado na revista científica Tobacco Control, o levantamento analisou dados de três gerações no Reino Unido e apontou que, embora o número de fumantes adolescentes tenha caído drasticamente nos últimos 50 anos, o cigarro eletrônico está reacendendo o hábito de fumar entre os jovens.
Segundo a pesquisadora Jessica Mongilio, da Escola de Enfermagem da Universidade de Michigan, adolescentes que nunca usaram vapes têm uma chance menor que 1 em 50 de se tornarem fumantes semanais. Já entre os que usam o dispositivo frequentemente, esse risco sobe para quase 1 em cada 3 — o equivalente a um aumento de 30 vezes.
“A queda histórica no tabagismo entre jovens não se aplica aos usuários de vapes. Para eles, é como se toda a mudança cultural das últimas décadas tivesse sido anulada”, afirma Mongilio.
Os pesquisadores alertam que o apelo visual e os sabores atrativos dos vapes contribuem para a falsa ideia de que são uma alternativa inofensiva. Isso estaria normalizando novamente o hábito de fumar entre adolescentes, tornando-o socialmente aceitável.
A pesquisa comparou três grupos:
- Jovens nascidos em 2000 e 2001, expostos aos vapes desde a infância (Estudo de Coorte do Milênio);
- Adolescentes da década de 1980, quando o cigarro era amplamente aceito (Coorte Britânico de 1970);
- Indivíduos que cresceram nos anos 1960, auge do tabagismo (Estudo Nacional de Desenvolvimento Infantil de 1958).
Embora o estudo não comprove que o uso de vapes causa o tabagismo, a associação entre os dois comportamentos é considerada forte. Os pesquisadores continuarão acompanhando os jovens da geração mais recente para avaliar os impactos em longo prazo.
“Estamos apenas começando a compreender os efeitos dos cigarros eletrônicos na saúde pública. Mas o que vemos já é suficiente para acender um alerta”, destaca Mongilio.
A pesquisa contou com apoio do Instituto Nacional do Câncer dos EUA e de centros acadêmicos das universidades de Michigan, Pensilvânia e Purdue, além de financiamento do Conselho de Pesquisa Econômica e Social do Reino Unido.
Diante das evidências, os pesquisadores defendem uma regulamentação mais rígida da indústria de cigarros eletrônicos, especialmente no que diz respeito à propaganda voltada para o público jovem. No Brasil, a venda de vapes é proibida pela Anvisa, mas os dispositivos ainda são facilmente encontrados.
“Estamos diante de uma encruzilhada”, conclui Mongilio. “A ciência está clara — agora cabe às autoridades tomarem decisões firmes para proteger os jovens.”